SãO BRáS DE ALPORTEL: UM REFúGIO ENTRE O MAR E A SERRA

São Brás de Alportel é o género de localidade pela qual passamos num mapa sem sequer travar o indicador. A tentação é a de seguir rumo ao oceano, buscando as famosas praias algarvias.

Na verdade, o Algarve é aquela linha horizontal que vai do Atlântico até ao Guadiana fronteiriço, mas outros mundos existem nele longe da confusão e do buliço. Algures no Barrocal algarvio, São Brás surge como uma espécie de entroncamento rodoviário, razão aliás que pode explicar a sua importância. Cruzam-se aqui a Estrada Regional 270, que atravessa o interior desta região, unindo as freguesias das serranias do Caldeirão, e a mítica Nacional 2, que vinda de Chaves se desenrola até Faro.

A sua importância simbólica é marcada pela escolha deste município como aquele que recebe a Casa da Memória da Nacional 2, onde somos convidados a sentarmo-nos e a percorrer as memórias de uma das mais importantes estradas de Portugal.

São Brás na História

Seria, no entanto, injusto reduzir este concelho algarvio a um ponto de encontro de caminhos – ainda que tenha ganhado, devido a esse facto, o pomposo título de centro do universo. A descoberta de objectos como lascas de sílex ou pequenas estátuas de animais indica que a ocupação pré-histórica é uma certeza; mas as ocupações romanas e islâmicas oferecem mais provas e até curiosidades.

Vários monumentos funerários e necrópoles, além de restos da calçada romana que fazia parte da famosa rede viária do imperial, são vestígios que encontramos nos museus algarvios – os romanos fizeram deste local um ponto de abastecimento de água do seu sistema viário. Entre os séculos X e XIII, os muçulmanos fizeram do Algarve uma luz civilizacional na Península Ibérica, enriquecendo durante a fase do Califado e dos Almóadas.

Apesar da descoberta em São Brás de Alportel de indícios do uso de vários instrumentos de cozinha requintados, como talheres e cerâmica fina, a verdade é que nessa altura esta região seria um conjunto de pequenas casas, sem grande autoridade administrativa, estando dependente de Faro. Aliás, no século XV, que é quando o concelho começa a gerar uma identidade histórica própria, temos o relato de existir aqui só uma modesta ermida, junto à antiga via romana. Os registos históricos não dão traço a Alportel e isso é comum ao interior algarvio.

No século XVI, durante a reforma administrativa que o rei Dom Manuel procedeu em todo o território nacional – atribuindo novas cartas de foral na criação de novos concelhos e confirmando as anteriores concedidas pelos seus sucessores – São Brás de Alportel é elevada a freguesia. É, aliás, uma curiosidade que esta terra – juntamente com Castanheira de Pêra, Barrancos, Alpiarça, São João da Madeira e Porto Santo – seja um dos raros concelhos nacionais com uma só freguesia. Há uma confusão, ainda assim, nos registos até ao final do período da monarquia, quando é atribuído a esta localidade alternadamente o epíteto de lugar ou freguesia conforme as fontes que consultemos.

No século XIX, no entanto, é inegável a sua importância económica, ao tornar-se no maior centro de produção de cortiça do país. É em 1912 que se torna oficial e incontornável a designação de Alportel, quando o deputado António Machado Santos leva ao Parlamento uma proposta que eleve a localidade a esse estatuto. Era justo, visto que na altura seria a freguesia rural mais habitada do concelho de Faro. Com 12.500 habitantes, aliás, seria até uma das mais habitadas em todo o território nacional. Dois anos depois, torna-se oficial.

Algumas famílias de figuras famosas têm origem em São Brás de Alportel. O pai de Gago Coutinho, o famoso aviador, nasceu aqui (alguns afirmam até que o próprio Gago aqui terá nascido antes de ser levado para Lisboa de maneira a ser registado). É desta terra também o patriarca de uma das mais famosas famílias políticas timorenses, os Carrascalão: Manuel Viegas Carrascalão era um anarquista que teve o azar de entrar na mira do Estado Novo devido à sua activa rebeldia política, nomeadamente a associações à Legião Vermelha, núcleo terrorista responsável por atentados bombistas nos inícios da ditadura. A vida de Carrascalão na ilha de Lorosae foi caricata e fiel ao seu carácter incendiário: liderou a resistência contra os japoneses durante a Segunda Guerra Mundial e incluiu até uma reabilitação por parte de Salazar devido aos seus feitos. O ditador, no entanto, incentivou-o a regressar a Timor, bem longe de Lisboa. 

Deambulando no interior do Algarve

O que fazer em São Brás de Alportel? Comecemos no centro da vila, na Igreja Matriz local. Várias vezes reformulada ao longo da história – inclusive quando o grande sismo de 1755 a destruiu quase completamente – é um conjunto de características neoclássicas de diferentes períodos, rodeada de um jardim onde se está em agradável disposição em qualquer altura ano. No entanto, que se descanse noutra altura.

Uma curta caminhada leva-nos ao Palácio Episcopal de São Brás, edificado durante o século XVI como residência de Verão dos bispos do Algarve. Ansiosos por descansar, escolheram então o usufruto do bom clima da serra do Caldeirão.

Embora a versão actual do edifício esteja já bastante descaracterizada, é aqui que se encontra o Centro de Artes e Ofícios local e também um Posto de Turismo, onde encontrará informações preciosas para a sua viagem. Mesmo ao lado, no Jardim da Verbena, a sombra das árvores num dia de calor é totalmente bem-vinda. Ainda no centro, uma enorme estrutura hidráulica marca a Fonte Nova e um grupo de vinte lavadouros construídos em meados do século XX. Gravador das histórias e actividades das lavadeiras durante décadas, existe hoje renovado devido a uma intervenção local numa tentativa de recuperar as memórias da terra.

Se estiver num dia mais de descoberta interior, sugerimos dois museus. O primeiro é a já referida Casa da Memória da Estrada Nacional 2. Construída no quilómetro 722, recupera memórias até mais antigas do que o asfalto, de trilhos de mercadores e de almocreves que vendiam cortiça. Evocam-se os cantoneiros e canteiros que fazem parte da história desta rodovia e cujo trabalho é indispensável à sua existência.

Num edifício marcado pelos traços do estilo Português Suave, encontramos memórias das Casas de Cantoneiros que ainda hoje encontramos na beira de estradas nacionais, agora abandonadas, mas que durante o século XX eram a sede destes trabalhadores e armazém dos materiais com os quais se remendavam e resolviam os problemas imediatos no pavimento. Historietas e memórias em dois andares que nos trazem também as memórias regionais da N2 no distrito de Faro.

Noutra área temática, o Museu do Traje afirma as especificidades das vestimentas tradicionais algarvias, acolhendo exposições, espectáculos e palestras que se desenrolam num edifício apalaçado que serviu de moradia a algumas das mais importantes famílias senhoriais de São Brás de Alportel. Conservam-se os espaços e equipamentos desses tempos de bulício rural, mas também surgem novos modernizados e que recebem todo o património exposto e até guardado, catalogado e protegido.

Se a sua inclinação é mais nómada, recomendamos uma voltinha fora do núcleo urbano. Inspirado pela Casa da Memória da Nacional 2, conheça a sua antecessora, a Calçada Romana. Existem dois troços bem conservados, e descobertos e estudados por arqueólogos, e um deles começa junto à biblioteca municipal. No conjunto, são 650 metros de milenares rochas e outros vestígios de um passado.

Se desejar aprender um pouco mais, no antigo matadouro municipal encontra-se o Centro Interpretativo da Calçadinha, como é conhecida localmente de forma carinhosa. Dá-se um enquadramento histórico deste património e oferece-se diversas actividades pedagógicas.

Continue mais na zona rural e descubra um Algarve mais genuíno e escondido. Três miradouros dão-lhe uma vista excelente do Barrocal ao mar: o do Alto da Arroteia, o do Alto da Ameixa e o da Cabeça do Velho.

No interior do Caldeirão, encontra Parises, a aldeia que destacamos este mês, um pequeno parque com uma Fonte de Águas Termais e também uma zona de merendas e passeio no sossego silencioso de um Algarve que é estranho a muitos turistas. E se quiser conhecê-lo de forma mais detalhada, meta pés ao caminho e siga a Via Algarviana que atravessa o Algarve de Sotavento a Barlavento, de Alcoutim até Vila do Bispo. Existem ainda chances de fazer parapente, BTT e outros desportos de aventura.

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