O aeroporto londrino de Heathrow foi completamente paralisado por um “corte de energia significativo”, desencadeando uma onda de caos nas viagens globais a partir de um dos centros de trânsito mais movimentados do mundo.
A paralisação desta sexta-feira foi causada por um incêndio numa subestação elétrica na cidade de Hayes, a poucos quilómetros do aeroporto, que interrompeu o fornecimento de energia local, desorganizando mais de mil voos e obrigando os pilotos a desviar as suas viagens em pleno voo.
Mais de 200 mil passageiros aéreos poderão ser afetados pelo encerramento, depois de as autoridades terem alertado para a possibilidade de uma “perturbação significativa” nos próximos dias.
As chegadas a Heathrow estavam previstas a partir de cidades de todo o mundo, incluindo Sydney, Hong Kong, Banguecoque, Singapura, Joanesburgo, Nova Iorque e Miami, mas também Lisboa, que teve 11 descolagens e 3 aterragens canceladas
“Esperamos perturbações significativas nos próximos dias e os passageiros não devem viajar para o aeroporto em nenhuma circunstância até à reabertura do aeroporto”, afirmou o aeroporto de Heathrow num comunicado enviado à CNN, acrescentando que "não têm a certeza de quando a energia poderá ser restabelecida de forma fiável", ainda que alguns voos devam retomar a operação ainda esta noite.
As autoridades lançaram uma investigação sobre a causa do incêndio na subestação, que ainda está a arder mas já está sob controlo. Até ao momento, não há sinais de crime, segundo a polícia.
Um transformador de uma subestação eléctrica no subúrbio londrino de Hayes incendiou-se esta quinta-feira à noite, segundo a Brigada de Incêndios de Londres (LFB).
Dez viaturas e cerca de 70 operacionais foram mobilizados para combater o incêndio, segundo os bombeiros. Foi montado um cordão de 200 metros à volta do local.
“O incêndio em Hayes está agora sob controlo, mas permaneceremos no local durante todo o dia”, afirmou a LFB numa atualização na rede social X.
“De acordo com a última atualização que recebi, cerca de 10% da subestação de alta tensão continua a arder”, acrescentou Jonathan Smith, vice-comissário da LFB, numa conferência de imprensa.
“O incêndio envolveu um transformador com 25 mil litros de óleo de refrigeração, totalmente incendiado. Isto criou um grande perigo devido ao equipamento de alta tensão ainda ativo e à natureza do incêndio do óleo combustível”, explicou Smith.
Cerca de 150 pessoas foram retiradas do bairro, informou a brigada. Mais de 16 mil casas ficaram sem eletricidade, de acordo com a Scottish and Southern Electricity Networks - com a National Grid da Grã-Bretanha a “trabalhar a toda a velocidade” para restaurar a energia.
Não foram registados feridos na sequência do incêndio, confirmou a LFB.
“À medida que nos aproximamos da manhã, espera-se que as perturbações aumentem e pedimos às pessoas que evitem a área sempre que possível”, disse o Comissário Assistente da LFB, Pat Goulbourne, num comunicado, quando a situação ainda estava descontrolada.
Na sua declaração à CNN, o aeroporto afirmou: “Sabemos que isto será uma desilusão para os passageiros e queremos assegurar-lhes que estamos a trabalhar o mais possível para resolver a situação”.
O aeroporto de Heathrow estava em grande parte às escuras durante a falha de energia, de acordo com vídeos partilhados nas redes sociais. O Terminal 2 e o Terminal 4 ainda estão sem eletricidade, referiu o Comissário Smith da LFB aos jornalistas.
As investigações sobre o início do incêndio estão em curso e a polícia antiterrorista de Londres está agora a liderar a investigação, “dado o impacto que este incidente teve em infraestruturas nacionais críticas”.
Um porta-voz da polícia disse que “não há indícios de crime”, mas os detetives “mantêm uma mente aberta” sobre a causa.
O ministro britânico da Energia também disse que não havia “nenhuma sugestão” de crime. “Neste momento, o objetivo é restabelecer a energia. Ainda não temos nenhuma compreensão real do que causou o incêndio”, disse Ed Miliband à rádio LBC de Londres.
“Não há qualquer sugestão de que tenha havido jogo sujo, apenas um acidente catastrófico, é o que estamos a ver”, reiterou.
De acordo com Miliband, a fonte de alimentação de reserva em Heathrow também foi afetada pelo incêndio.
Anteriormente, um analista de aviação disse à CNN que a aparente falha no fornecimento de eletricidade de reserva do aeroporto era “extraordinária”.
“É o nosso principal centro de ligação ao mundo. É incrivelmente importante para a economia do Reino Unido. Tem de haver um plano B”, disse o analista de aviação Geoffrey Thomas, falando sobre aquele que é o maior aeroporto da Europa.
Numa entrevista à BBC, Miliband advertiu que terão de ser aprendidas lições sobre “a proteção e a resiliência das grandes instituições como Heathrow”.
Os analistas preveem uma miríade de desafios em matéria de oferta para as companhias aéreas que tentam reencaminhar centenas de voos de e para o aeroporto de Londres - uma base de viagens que acolhe diariamente um quarto de milhão de passageiros e 1.300 voos provenientes dos Estados Unidos, do Sudeste Asiático e do Médio Oriente.
Heathrow foi o quarto aeroporto mais movimentado do mundo em 2023, de acordo com os dados mais recentes. No ano passado, registou um recorde de 83,9 milhões de passageiros. Distribuído por quatro terminais, funciona normalmente com 99% da capacidade, com todas as grandes companhias aéreas a atravessarem o hub.
Só esta sexta-feira, mais de 1.350 voos que entram ou saem do aeroporto serão afetados, de acordo com o website de acompanhamento de voos FlightRadar24. Na altura do encerramento, 120 voos foram imediatamente desviados para outros aeroportos ou regressaram à sua localização original.
O processo para decidir para onde os voos serão desviados é dinâmico e “rápido”, segundo o analista de aviação Shukor Yusof.
“Requer muita coordenação entre a autoridade britânica e a companhia aérea que vem aterrar”, explica Yusof, acrescentando que os voos de longo curso representam "um desafio mais complexo" para o desvio de rota.
Apenas um número limitado de lugares em aeroportos próximos estaria disponível, obrigando as companhias aéreas a procurar outras opções fora do Reino Unido neste caso, explicou. Um fator importante e potencialmente decisivo no reencaminhamento seria o combustível, uma vez que os pilotos podem também ser solicitados a circular no ar enquanto esperam por uma pista livre para aterrar.
Os voos estão a ser desviados por toda a Europa, incluindo cinco voos para o aeroporto de Manchester, a cerca de 320 quilómetros a noroeste de Londres.
A Ryanair acrescentou oito “voos de salvamento” entre Dublin e Londres Stansted para ajudar os viajantes. A Air France suspendeu oito voos de e para Heathrow, mas informou que as rotas para outros aeroportos do Reino Unido estavam a funcionar normalmente. A Lufthansa cancelou todos os voos de e para Heathrow, tal como fizeram as companhias que operam a ligação com Lisboa (TAP e British Airways), o único aeroporto que tinha voos para Heathrow neste dia.
A British Airways e a Qatar Airways disseram que estavam a trabalhar com as autoridades para informar os clientes. Mais longe, dois voos japoneses que já tinham partido regressaram a Tóquio e um terceiro alterou o seu destino, informou a Associated Press.
Os comboios em torno de Heathrow - incluindo o Heathrow Express, que liga o aeroporto ao centro de Londres - também foram forçados a interromper os serviços devido a falhas no fornecimento de energia.
Os empresários alertaram para as consequências económicas significativas do encerramento, depois de as ações de algumas companhias aéreas terem chegado a cair 5%. Yusof, fundador da empresa Endau Analytics, sediada em Singapura, refere à CNN que as perdas financeiras decorrentes do encerramento poderão ascender a “centenas de milhões de libras”.
Surgiram cenas de viajantes cansados alinhados nos corredores de Heathrow, enquanto os passageiros de outros aeroportos passaram horas presos na pista depois de os seus voos terem sido cancelados.
Kim Mikkel Skibrek, cidadão americano e norueguês, já estava a voar há três horas de Minneapolis para Londres quando a tripulação anunciou que tinha de voltar para trás devido ao incêndio.
“Está tudo bem. As pessoas ficaram frustradas com o regresso do voo após mais de três horas, mas agora parece que toda a gente está mais calma”, disse Skibrek à CNN. Skibrek estava a viajar para Oslo para estar com o seu pai que luta contra o cancro e disse que terá de apanhar outro voo o mais rapidamente possível.
No mesmo voo, Abby Hertz e a sua família estavam a viajar para Londres para o casamento do melhor amigo do seu marido. O casal tinha adiado a cerimónia uma vez devido ao covid e ia finalmente casar-se, agora que o filho estava em remissão da leucemia, disse Hertz - mas não é claro se vão poder ir ao casamento agora.
No aeroporto JFK de Nova Iorque, a passageira Christine disse que o seu voo da British Airways estava pronto para partir quando o piloto anunciou que lhe tinham pedido para esperar. Meia hora mais tarde, os passageiros foram informados de que Heathrow estava encerrado.
“Surpreendentemente, o ambiente é bastante descontraído no avião. Vieram dar-nos de comer”, contou Christine, que não quis dar o seu apelido. Mas, disse, com um casamento no Reino Unido para ir no sábado, “espero realmente que não fiquemos presos até lá!”
Mas para os residentes que vivem perto do aeroporto, o canto dos pássaros substituiu o habitual rugido dos aviões. “Basicamente, viver perto de Heathrow é barulhento. Há aviões a cada 90 segundos mais ou menos, mais o zumbido constante do tráfego, mas habituamo-nos a isso, ao ponto de já não darmos por isso”, disse James Henderson, que vive junto a Heathrow há mais de 20 anos.
“Hoje é diferente. Ouve-se o canto dos pássaros”, disse.
Martin Goillandeau, Juliana Liu e Anna Cooban, da CNN, contribuíram para esta reportagem
2025-03-21T19:46:48Z